terça-feira, 12 de setembro de 2023 12:33
Enquanto não ficar claro que o instrumento
é um meio de pagamento, o risco de inadimplência vai continuar elevado
Os dados do Banco Central (BC) mostram que há cerca de 20% a mais de cartões de
crédito, usados de forma frequente no Brasil, do que cartões de débito.
São chamados de “cartões ativos” nas estatísticas. O BC considera ativos
aqueles cartões que tiveram alguma transação nos últimos 12 meses.
A relação atual entre o uso de cartões de crédito e débito reflete uma mudança
expressiva na forma como as pessoas passaram a acessar o sistema financeiro
brasileiro. Até 2020 a proporção era inversa, e a popularidade dos cartões de
débito era maior do que a dos de crédito.
Um problema importante é que o nome cartão de crédito induz a uma confusão. O
detentor do cartão não necessariamente possui um limite de crédito pré-aprovado
que ele possa usar para fazer frente às necessidades imediatas quando o
orçamento fica momentaneamente desequilibrado.
Na verdade, o instrumento é um meio de pagamento.
Assim como são as transferências bancárias acessíveis a partir de um cartão de
débito, tais como o cheque ou o DOC, ambos caminhando para a extinção, o TED e,
mais recentemente, o Pix.
A receita das empresas que atuam no mercado de cartões de crédito está atrelada
às comissões sobre o processamento das transações. Quanto maior a rede de
transações e o volume processado, maior o lucro das companhias.
O limite do cartão de crédito, na verdade, é a franquia que o emissor do cartão
oferece para que a pessoa use o meio de pagamento até quitar a fatura. A expectativa
é que essa fatura seja paga integralmente no vencimento porque, caso contrário,
os juros serão punitivos.
Esse arranjo, no entanto, não necessariamente fica claro para as pessoas que
recebem o cartão de crédito. Os materiais publicitários das companhias de
cartão insinuam que existe uma parceria para os bons e maus momentos.
De fato, nos bons momentos, quando a fatura é paga em dia, o detentor do cartão
acumula pontos que podem ser transformados em diversos tipos de vantagens. Pode
ser o abatimento de tarifas, milhas para serem usadas na compra de passagens
aéreas ou desconto na aquisição de mercadorias selecionadas.
Mas, nos maus momentos, quando o detentor do cartão precisa de um
financiamento, o custo com os juros é de aproximadamente 15% ao mês. O que dá
uma taxa anual exageradamente elevada.
Adicionalmente, a diferença entre os encargos das linhas de financiamento
disponíveis, chamadas popularmente de rotativo e parcelado, na prática, acaba
não sendo tão significativa. Tanto os juros de uma quanto da outra são
punitivos.
Bola de neve
Um dado adicional nos números computados pelo BC revela a relação entre o que é
chamado de crédito rotativo e a renda mensal disponível das famílias. Na
definição do BC, o crédito rotativo inclui o cheque especial, o rotativo do
cartão de crédito, o crédito parcelado e as compras à vista no cartão,
inclusive aquelas que foram parceladas pelo vendedor.
A motivação do BC para chamar esse grupo de linhas de financiamento como
“rotativo” é que todas precisam ser pagas no curto prazo. Mesmo a fatura das
compras à vista no cartão, inclusive as que foram parceladas sem juros, precisa
ser quitada no mês seguinte.
As linhas do grupo chamado rotativo, então, implicam risco maior de
inadimplência. Isso porque ou os juros são muito altos ou o prazo é muito
curto.
A relação entre o financiamento rotativo e a renda mensal da população chegou a
80% nos meses recentes. Historicamente, essa proporção girava em torno de 50%.
O crescimento mais expressivo começou a partir do segundo trimestre de 2021.
Uma possibilidade para reduzir o risco de inadimplência talvez seja copiar os
alertas exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para as aplicações
em certos tipos de fundos de investimento mais agressivos. Nesses casos, o
investidor é obrigado a atestar que entendeu os riscos que está correndo.
Para os cartões de crédito, o alerta poderia vir junto com as peças
publicitárias.
Autor: Marcelo d`Agosto
Fonte: Valor